“É preciso tempo para criar uma criança”. Esta é a primeira frase de Shantala, massagem para bebês, o famoso livro do obstetra francês Friederyc Leboyer, aquele que, nos iêiêiês do século passado, falava de parto humanizado, nascer sem violência – mas isso era coisa de hippie, naquela época. Quando li essas sete palavras, ainda grávida, fez-se um sentido profundo pra mim, em meu peito um impacto silêncio. A verdade delas, Marina, resume boa parte do que tenho a te dizer aqui, de agora ao fim. Esse tempo de que fala o poeta/obstetra não é aquele do relógio, que passa tão rápido que a gente corre desesperada atrás. Ou que passa tão devagar que a gente tenta em vão tanger pra lá. Não, filha. Desse tempo só entende quem se apresenta ao não-tempo – um outro tempo do qual, um dia, uma sábia me falou. Até porque os dois habitam em ambos. O não-tempo é o tempo de que fala o francês, é o tempo que os bebês ensinam e que só acontece dentro de suas mães ou de quem se dedica à arte de cuidar deles – ou a alguma outra arte (ainda que seja a arte de conhecer a natureza ou a si mesmo). É o tempo de sorrir quando você mama que o tempo passa que a gente nem sente. É o tempo de acordar na madrugada e estar pronta pra cuidar de ti, como se o tempo não tivesse passado. É o tempo de, chegada a exaustão física, esperar um tempo, quieta, até passar o cansaço porque você está com a corda toda. É o tempo de te ver, te observar, te ler, te compreender, sem julgar quanto tempo está passando. É o tempo de aproveitar aquele sol, aquele gato que passa na calçada, fica um pouco mais, mãe, que lá vêm os cachorros da vizinha! Marina, esse tempo é todo especial. Quando vim aprendê-lo, você já tinha alguns meses. Quando vim me entender com ele, você já estava com mais de um ano de idade - e ainda assim, vieram outras etapas para entendê-lo melhor. Algumas pessoas confundem esse tempo com o tempo de amamentar de três em três horas (quem foi que inventou esses intervalos de comida, hein?), dar banho, trocar não sei quantas fraldas por dia, levar pra pracinha, dar papinha, brincar na sala, colocar pra dormir. Não, não. Esse tempo aí, não é o tempo do poeta. Não é o não-tempo. Esse tempo aí é o tempo do ritmo do dia a dia, a marca constante dos ponteiros do relógio, aliás, é tempo importantíssimo porque bebê precisa de ritmo mesmo. Esse outro tempo de que agora falo, filha, é o tempo que você me ensinou. Enquanto eu fazia todo o básico (acima), este tempo transfigurava-se, simultaneamente, em algo grande, muito grande e também muito íntimo, acontecendo, austero, dentro de mim, numa velocidade estonteante que nem o tempo consegue parar pra ver. Sim, Marina, esse é o tempo de quem para pra ouvir as plantas crescerem, é o tempo de quem flagra a boquinha de uma lagarta verde comendo uma apetitosa folha também bem verdinha, é o tempo que revela o imperceptível arabesco em alto relevo de uma pétala de flor em aste toda branca, o capricho do sol ao acender o veludo rosa-cintilante da outra pétala, o tucano na amendoeira, o gambá no fio da rua (sempre por volta das sete da noite...), a mãe mico carregando o miquito no mesmo fio do gambá, o ritmo da queda e da renovação das folhas que acompanha as estações – tudo isso eu vi e esse é um tempo que, em silêncio, cresce dentro da gente, mãe, que cria alguém, filho. Sob os auspícios desse tempo você cresceu em mim, nasceu e brincou. Enquanto eu buscava nova morada com seu pai, cuidava de comprar berço, cômoda, arrancava os cabelos em crises de grávida, você crescia dentro do meu útero ou dentro do não-tempo – o tempo em que as grandes coisas do mundo acontecem, entre elas, a formação de um bebê e o surgimento de uma jovem mãe – sempre numa velocidade estonteante. O não-tempo, em verdade, não existe só, porque está em tudo sem nada dizer. Como é ele? Hum... vamos brincar de contar muitas, muitas histórias.