domingo, 25 de agosto de 2013

Um Zás!


Voltando de Araras, à noite, uma pequena bola de luz passa por nós, um pouco acima do carro, deixa um rastro instantâneo. Vi e fiquei calada, não valeria a pena te chamar porque já tinha ido embora. Mas aí:

- Mãe, eu vi um zás.
- Eu também, filha, vi o zás.
Voltamos ao silêncio e continuamos assim.
(Depois você voltou a brincar serelepe com a amiga)

Flor, quando somos mães, é tão doce olhar o mesmo instante do céu com sua criança. Improviso que a vida te dá de presente. Instante suspenso que fica para sempre. Assim como, sempre, esse amor: sem fim (nem começo).



segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ela é doce e quente. Manga, mamão, banana, goiaba... são todas frutas doces que podem ajudar na amamentação. O leitinho sai doce também, doce é o sabor primeiro do amor. Chá de erva doce, de anis estrelado, banho quente, compressa morna no peito, banho de sol... são todos eles quentes que ajudam a aumentar o leite no peito.
Aconchego, bons pensamentos, boas risadas, um abraço forte, uma escuta fraterna, um apoio franco, palavras de entusiasmo e confiança que podem te dar a certeza de que você tem o leite certo, na medida certa, para seu bebê...  estas sim são presenças e manifestações doces e quentes, essenciais para a mulher que amamenta.


 Antes de você nascer me passou, brevemente, o medo de não ter leite pra você. Mas, tarada por informação como sempre fui, havia sido instruída o suficiente para saber que não havia essa possibilidade. Mesmo assim, esse medinho veio novamente. Aí minha irmã me fez seu relato maravilhoso de aleitamento, me provou que tamanho de peito não é documento, me falou de um livro antigo de um pediatra argentino, engajado na campanha pró-aleitamento, um homem que escreveu pra todas as mulheres em plena era do leite Ninho. Comprei o livro, lá se foi o medo, mais uma vez. Não demorou muito, o pensamento estava de volta. No entanto, começou a sair um colostrinho, quase uma remela, dos bicos dos meus peitos, afastando, até o parto, a sombra insistente.
Depois do susto que foi tua cesariana de urgência (um clássico exemplo de cesariana necessária!), alguém disse, no quarto da maternidade, que era preciso pedir um complemento no berçário. Sabe-se lá por quê. Seu pai foi bravo e disse um “não” definitivo. Eu, ainda me recuperando do trauma que foi o parto, me “fotografei” completamente vendida nos frames de segundo que transcorreram entre a “sugestão” de complemento e a fala de seu pai. Tinha caroço nesse angu. Eu estava infantilizada, ao mesmo tempo em que não tirava você de junto de mim. Eu estava muito, mas muito sensível e sensibilizada, ao mesmo tempo em que não sentia nem sombra de cansaço.
Você nasceu numa terça, chegamos em casa na quinta, o leite desceu na sexta à noite. Tudo dentro dos conformes. Na noite da quinta, você chorava, chorava, chorava. Às quatro da manhã lembrei de ligar pra pediatra e ela simplesmente pediu que te déssemos um banho, e fôssemos com você pra rede, colocássemos o dedo na sua boquinha que, às vezes, a chegada em casa pro bebê era tensa assim mesmo. Santo remédio. Nesse meio tempo, umas três ou quatro “sugestões”, em momentos estratégicos, de leite artificial. Mas a primeira visita à pediatra provou que você tinha engordado o dobro do esperado. Mesmo assim eu creditei que não tinha leite mesmo.
A sombra se instalou. Igual a mim, mas fantasiada de salto alto, robe preto de arminho, cigarrilha entre os dedos, com sorriso sacana essa malvada sentava ao meu lado na cama, no sofá, aonde quer que eu fosse. Todo o tempo. O problema não era quem me falava que eu não tinha leite – esta era apenas uma pobre personagem que me lembrava, na vida real, do meu enredo psíquico. O problema era que eu estava programada para não ser suficiente, o problema era que eu não tinha sido aleitada, o problema é que eu tinha que vencer meu pior inimigo: eu mesma. Era o universo dizendo sim, a natureza dizendo sim, a minha coragem dizendo sim e a sombra dizendo não. Vamos à luta, então!
Eu sabia que o leite da mamífera humana é o único que tem uma serventia suprema: a formação do cérebro. Sabia também que a experiência da amamentação é a primeira vivência continuada de fraternidade do ser humano, fora do útero. Sabia que o contato olho no olho, durante a amamentação, promove um estado capaz de excretar substâncias fundamentais para o psiquismo e o cérebro do recém-nato. Também sabia que a amamentação pode promover um melhoramento genético no bebê, em nível profundo de DNA, chegando a desprogramar alguns distúrbios gerados durante a gestação. Com tudo isso na cabeça, resolvi: não ia tirar você do peito, simplesmente. E NADA de complemento. Essa foi a arma intelectual.
Aquela paranoiazinha de que eu não era mãe suficiente continuava. Lembrava dos “conselhos” sobre complemento, durante o pós-parto. A pediatra começou a dizer, sutilmente, que “de repente, não era tão importante amamentar por tanto tempo” e ficava ligada nos gráficos, uma linha verde que subia, outra linha infame que tinha que subir também, mas se prostrava meio... Aí resolvi parar de levar em pediatra. Simples assim. Virei índia. Vivia com você no pano, amarrada em mim, observava teu crescimento, tua vida, teu jeito, procurava me deliciar com a perfeição, talvez uma das maiores da natureza, que é a amamentação. Dos três aos seis meses vc não viu pediatra nenhum. Esta foi a arma jocosa, transgressora.
Todas as vezes em que você chorava desesperadamente, quando eu já estava entregando os pontos, acreditando na minha “insuficiência”, achando mesmo que era fome, descobria que era casaco demais, frio demais, gases demais. Todas as vezes em que me via completamente só, às voltas com o fantasma da insuficiência, alguém com muita experiência em amamentação me ligava. Simples assim, do “nada”. Teve uma amiga que, somente ela, fez isso três vezes. Essa foi a arma do Universo. A proteção Divina.
Por enquanto a “insuficiência” ainda não estava resolvida, mas eu ia levando, negociando ali, cara a cara, com aquela sombra ridícula, que, no fim das contas era eu ao contrário. Dois pediatras maravilhosos, daqueles das antigas, um alopata, outro homeopata que trata “do zero aos cem”, me disseram “Sua criança é perfeita, muito inteligente e calma, além de bastante ativa. Isso é o resultado do seu leite! Continue amamentando exclusivamente!”. Enquanto as pessoas na rua diziam que minha filha era pequena e olhavam pro meu peito procurando por um melão, eu lembrava deles. Essa foi a arma da segurança na experiência.
E, por fim, aliás, foi bem no começo da tua vida, você fez uma mastite, no seu peitinho direito. No começo, saía um “leitinho verde”, era normal, eu até já tinha sido avisada pela pediatra de que isso poderia acontecer. Era chamado, na Idade Média, de “leite de bruxa” (naquela época e em épocas anteriores, o que vinha das crianças era tido, muitas vezes, como coisa do demônio. Não é à toa a expressão “crianças endemoniadas”...). Só que teu peito inflamou geral. Saía pus, bastante. Uma noite, já assustada, liguei pra pediatra que me falou de internação no dia seguinte. Não preciso dizer que a “mãe insuficiente” pirou, né? Imediatamente liguei pra minha analista, boa entendedora de crianças e de gente, quem me ensinou um bocado das coisas que relatei aqui, e ela me relembrou que o meu leite tinha tudo o que você precisava. E me esclareceu o óbvio: você estava resolvendo, com sua inflamação, o meu conflito de amamentação. Relembrei que o leite materno tem a composição de que a criança precisa: de manhã mais proteína, à noite, mais carboidrato, se a criança faz uma gripe, ele pega mais vitamina C da mãe. Lembrei que o pediatra homeopata me falou que, mesmo em crianças de mães subnutridas, há poucos problemas de aporte de substâncias para o recém-nato porque o processo da amamentação tira, por exemplo, o cálcio dos ossos da mãe, se preciso for. E lembrei também de que éramos ainda um binômio perfeito: minhas angústias estavam reverberando em teu etérico e em teu físico, em cólicas, em mastite. Naquela noite meditei profundamente a cada mamada: “Você está recebendo, neste leite que sai de mim, todos os antibióticos necessários para tua cura, todas as vitaminas, todos os minerais. Este é o único alimento de que você precisa, neste momento. Ele tem tudo o que você precisa para curar teu peito”. Pensei essas palavras, sussurrei essas palavras pra você, durante toda a madrugada. No dia seguinte, acordamos um pouco mais tarde do que de costume. Teu peito estava seco, completamente curado. A pediatra ligou em seguida, um pouco ansiosa. Fez um breve silêncio após minhas notícias e depois falou: “Eu acredito”. Essa foi a arma da fé.
Este relato para Marina, minha filha, é também um apelo a todas as mulheres que desejam amamentar seus filhos: que se conectem à sua natureza primitiva, saudável e feliz. Não há motivos para que a amamentação se transforme em uma luta travada, seja com o médico, com a família ou com você mesma. Amamentar é tão simples quanto caminhar. É tão natural quanto dias e noites que chegam e se vão. É tão prazeroso quanto dançar na chuva, comer algo muito saboroso, namorar quem se ama. É tão perfeito quanto a vida. Tão divino quanto um milagre. Ela é doce e quente. É por isso que sou ativista pela amamentação.
Ana Luiza Accioly Pereira, mãe da Marina, que dedica este relato à sua filha, ao Felipe, seu companheiro, e a todas as pessoas que passaram por essa família, durante a amamentação.