sexta-feira, 15 de julho de 2011

Palavras Antes


A idéia que deu origem a este blog não é este blog. Antes o relato da profunda e transformadora jornada em busca de ser mãe. O desejo de compartir sempre existiu, as idéias saltavam como entidades com vida própria que nasciam pra ser do mundo. Aquela primavera de imagens, frases inteiras, diálogos, pedia interlocutores, alguém que ouvisse seu brotar. Inquietava-me quem eu começava a ser, os contextos que acompanhavam esse (re)surgimento e suas possibilidades de assimilação de minhas convicções e escolhas sobre parir, criar, educar: o país com suas políticas de saúde, suas convenções acerca do parto e do nascimento, o senso comum sobre educação, as famílias que me cercavam naquele momento. Foi então que resolvi escrever algo que contasse minha experiência. Seria perfeito (!!!): uma narrativa, digamos, mista, com toques de um livro de memórias, ao mesmo tempo em que passaria adiante informações as quais considero importantes sobre as sutilezas descobertas nas estações conceber, gestar, parir, criar. A primeira página me martelava há muitos dias, cedi às súplicas e... - o fim! Saiu tão ruim que tive vergonha de ler uma segunda vez: escondia-me, em humor patético, num ridículo manual de sobrevivência. Não, não era isso. Inspirada por um antigo professor de faculdade, não joguei o material fora. Mas também não ousei tocá-lo. Semanas depois, ousei. E percebi que aquelas palavras me diziam, em generosas e sutis entrelinhas, que, além de péssimas, eram igualmente preciosas, pois traziam o gérmen de algo bom – nada como ouvir o mestre e transgredir a si mesmo.
Foi quando lembrei de meu projeto pessoal para Marina, minha filha, acalentado desde seu primeiro mês de vida: escrever para ela sua própria história, até onde eu fosse capaz, até onde sua memória consciente talvez não alcançasse. Esse projeto primeiro tinha a ver com sobreviver e superar a mim mesma porque trazia à tona dificuldades de pós-parto, relatos de sensações sem lembranças, sentimentos sem nome, possíveis indicações de vivências de infância, de recém nascida,  talvez até, de bebê ainda no útero de minha mãe. Ao me ver nesse mar de inconsciência que gritava estranhos sussurros, senti-me em um deserto, já que quase nenhuma informação confirmava coisa alguma. Foi por isso que me presenteei com o compromisso de relatar para Marina minhas próprias sensações que estão ligadas ao começo de sua história, desde quando foi concebida. A princípio, este seria um relato íntimo, anotado em caderno espiral de pauta, para entregá-la quando, já adulta, tivesse condições de compreender, ainda que pelo olhar de sua mãe (e não pelo seu próprio). Imaginei que seria rico abrir para ela a minha vivência em um tempo em que nós duas éramos praticamente uma e, mesmo depois, quando não éramos tão uma assim. Finalmente a idéia desta publicação virtual fez-se configurada: era através do exercício de contar sua própria história à minha filha que extrairia o tom certo às minhas palavras para todo o mundo. Para falar com minha filha queria doçura e integridade – o mesmo que desejo ao leitor que não conheço – nada a ver com a pretensão de publicar algo “interessante”, pitoresco ou engraçado. O relato para Marina deve ser tão útil a ela quanto a qualquer um, porque traz ao lume conteúdos tão profundos e francos que acabam por tornar-se universais. Estão aí, para quem quiser ler.
Agora, com suas licenças, meu papo é com Marina (e com mais quem quiser ouvir) até a última palavra.